Por Weruska Goeking, Valor Investe, São Paulo.
Estudo recente aponta que a maioria dos Brasileiros tem dificuldade para lidar com seu dinheiro. A raiz do problema está muito mais nas questões psicológicas que os brasileiros têm com suas finanças do que com as informações disponíveis sobre o assunto. A constatação é de um amplo estudo do Itaú Unibanco, em parceria com o Datafolha e a consultoria Box1824, sobre a relação emocional do brasileiro com dinheiro.
Foram ouvidos 2.071 brasileiros, sendo 49% homens e 51% mulheres das classes A, B, C, D e E, com idades entre 16 e 65 anos em todo o Brasil pelo Datafolha. Como o que os olhos não veem, o coração não sente, diz o ditado popular, 46% dos brasileiros evitam o assunto porque acredita estar fazendo algo errado em termos financeiros.
Luciana Nicola, superintendente de relações institucionais, sustentabilidade e empreendedorismo do Itaú Unibanco, explica que uma das principais conclusões do estudo foi perceber que disponibilizar conteúdo sobre finanças aos clientes não era suficiente.
“Temos que buscar transformação. É uma terapia. Essa relação com o dinheiro é mais psicológica do que qualquer outra coisa. Hoje finanças pessoais é muito atrelada a sentimentos ruins e coisas que não necessariamente a pessoa tem a mente aberta para falar”, diz Nicola.
Metade (50%) dos entrevistados considera que falar de dinheiro é imprescindível, mas aqui entram apenas conversas corriqueiras e sem profundidade. Na hora de falar de forma séria sobre o próprio dinheiro, o brasileiro, em geral dá aquela desconversada ou fica completamente sem jeito.
O tabu dos brasileiros em geral com o dinheiro é tão grande que a discussão vai além de posses, do tamanho da conta do cartão de crédito ou do que tem no carrinho do supermercado. Para boa parte dos pesquisados, o dinheiro (sua escassez ou abundância) pode moldar/mudar o caráter, como sugere um homem de 27 anos, em São Paulo, ao afirmar que “o dinheiro corrompe a família, as pessoas, é um divisor de águas”.
Diante disso, o estudo buscou em quatro pilares – individual, familiar, social e cultural – entender como se deu a construção de todo esse tabu com o dinheiro e as formas de romper essa barreira para ampliar o entendimento do brasileiro sobre o tema e melhorar sua vida financeira.
Cultural: A pesquisa ressalta que o Brasil nunca soube lidar bem com suas próprias riquezas. “Sempre manteve suas finanças ‘em segredo’, sem transparência e concentrada nas mãos de poucos. Um país que sempre teve abundância de recursos naturais, mas que, paradoxalmente, sempre viveu em crise”. Sempre viveu em crise, mas em diversos momentos conseguiu se recuperar “naturalmente”, como se as coisas se resolvessem por si. O reflexo disso é que mesmo em 2020, em meio a uma crise global sem precedentes trazida pela pandemia de covid-19, 81% dos brasileiros acreditam que a sua situação financeira irá melhorar nos próximos 5 anos. Sem dizer exatamente como ou por quê.
Assim, no âmbito cultural, o tabu do dinheiro nasce na crença coletiva de que não é necessário levar o tema a sério.
Social: Uma questão bastante enraizada na sociedade é de que lidar com dinheiro é algo que exige conhecimento técnico. “Investimento é coisa de empresário”, resume o sentimento do brasileiro em geral. Os brasileiros também não costumam acreditar em seu potencial de cuidar de suas finanças. Quase todos os entrevistados (97%) disseram ter dificuldade em lidar com o próprio dinheiro.
Familiar: Se a sociedade afeta a forma do brasileiro lidar com as finanças, os laços familiares são ainda mais poderosos nessa influência. Quase todos jovens brasileiros (98%) afirmam ter dificuldade em lidar com o seu dinheiro. Quem consegue quebrar esse círculo vicioso acaba tendo que incluir em suas finanças uma ajuda a familiares com menos renda e organização. A pesquisa mostra que 41% dos brasileiros ajudam os pais financeiramente. Isso é mais comum nas classes A/B (44%). Quem consegue falar seriamente de dinheiro com a família tem mais chances de romper com o tabu herdado.
Individual: A esfera individual é a última fronteira do tabu do brasileiro com o dinheiro. Calado sobre suas finanças, a ausência de conversas francas sobre o tema abre espaço para uma série de crenças limitantes. 83% dos brasileiros dizem conhecer pessoas que ganharam muito dinheiro e perderam seus valores morais e éticos e 86% dos brasileiros acreditam que o dinheiro pode acabar com amizades, famílias e casamentos. Ao mesmo tempo em que ganhar mais dinheiro do que a média atrai “inveja”, segundo 90% dos brasileiros entrevistados, é preciso aparentar estar estável financeiramente.
Alcançar um determinado patamar financeiro e perdê-lo é a maior preocupação de 85% dos brasileiros, ao mesmo tempo em que 66% declararam preferir ter mais tempo com a família e com os filhos, ainda que para isso tenha que abrir mão de parte da renda.
Vivendo o hoje
Uma trava emocional importante observada no estudo é o receio de deixar de gastar hoje para um amanhã tão incerto. Assim, 62% dos brasileiros acreditam que quem controla demais o dinheiro não aproveita a vida. Claro que gastar dinheiro com si mesmo não é errado, mas preparar-se financeiramente para o futuro também é pensar em si – só que mais velho.
Como sair desse círculo vicioso ensinar ao nosso cérebro que estamos fazendo uma troca, que é um mal-estar temporário com as contas para um futuro mais organizado?
Para Nicola é preciso fazer uma espécie de “terapia financeira”, que deveria ter início ainda na educação básica das crianças e em uma linguagem que se aproxime da realidade das pessoas. Ganhar intimidade com o assunto ajudaria a reverter os sentimentos negativos em relação ao dinheiro e o estudo pode fornecer o conhecimento que os brasileiros sinalizaram sentir falta para tomar decisões mais acertadas sobre suas finanças.
Quem troca a vergonha e a culpa pela intimidade e conhecimento colhe os frutos.
Essa “virada de chave”, contudo, não é simples. “Às vezes o mental está falando: ‘guarda!’; mas o sentimento é diferente. Precisa fazer sentido aqui [o coração] para depois fazer aqui [cabeça]. O que o estudo sintetiza, no fim das contas, é que se não bastassem todos os obstáculos financeiros que os brasileiros enfrentam todos os dias, um dos maiores inimigos está dentro de si mesmo. E a resposta para “matar o monstro” também.